terça-feira, 25 de abril de 2017

mísselânea I

se há uma maneira
de superar o monotema em poesia
é desvencilhar da autoria,
deixar de falar de si.
se a propriedade é virtual e não existe,
como pode o mérito existir?
das ilusões do capitalismo
a mais perigosa é a de sujeito,
origem de toda forma de desrespeito
é a alucinação da auto importância,
na era da ganância
pompa do proselitismo
que te enche de conceitos.
maldita iconoclastia que não se supera
temo o novo mas ainda estou à espera
do rebento que findará estes tempos nefastos
em que ficamos mais estupefatos
com artifícios tecnológicos
do que com a bomba do neo-ópio
implodindo a cidade de dentro pra fora:
se a viciada grávida não existe,
a selfie triste da atriz não se ignora.
a tanto tempo já existe a vitrine
mas agora não tá claro quem te oprime
porque todos mantêm os hábitos do opressor
se o sujeito é supervalorizado
há um que prefere estar mascarado
e pode atender pelo nome de mercado.
é ele quem põe menino com fome na cela
que lança a tendência do luxo na telenovela
vende arte no estandarte
no aguardo da vanguarda
lucrando com o cancro
papel moeda da poesia concreta.
cristo na crista da onda
figura canecas
com frida kahlo e che guevara.
você quer o troféu do ativismo na sua sala?
da pra beber marginalidade, vestir vandalismo
a estética desfaz abismos entre a grife e a revolta.
revolução é a última palavra em proposta
convite sedutor à nova cara da agiotagem:
ta de cara limpa, mas de maquiagem!
porque a moda é a ilusão do acesso com o plus da raridade,
você tem a cópia que tem lá o seu quê de verdade.
a rotina não pode incomodar, então o prefeito
lança o olho cheio pra comprar o grafiteiro
para não te deixar lembrar que cê é só um objeto
enquanto você anda todo dia o mesmo trajeto.
na estética do efêmero,
é chique não ter tempo,
atestar algo partir.
o que te sobra de memória
se a história tem medo da história
sobrecarregar e deixar de existir?
a geografia há muito já atestava
quantas foram as expropriadas rojavas
indígenas, africanas, tradicionais e esquecidas?
pela mão dos genocidas a guerra vende na indústria
trazendo passado e presente pra mentes entorpecidas
que se julgam, entre todas, as mais lúcidas.
a linha que serve pra demarcar fronteira
é a linha que desenha estrelas na bandeira
a linha que separa a perna da rasteira
o cume e a base da pirâmide.
o chão tá banhado de sangue
mas no topo, só um papel infame.
a menina síria que olha pro céu procurando borboletas
corre de pavor quando avista a massa preta
que vem de cima, a tal da arma biológica
que mata rápido o mais fraco e vende na ameaça tóxica
que antes de degustar, tiramos fotografia.
depois superlotamos o armário da pia
de remédio para amenizar efeitos colaterais
de remédios que não curam problemas sociais.
e achamos que os problemas vêm da esquerda pra direita
e achamos que votar é a melhor coisa a ser feita
como se realmente tivéssemos opção...
para nossa culpa esperamos a extrema unção
que vende mais rápido que qualquer empresa
a salvação tá a preço de mamão lá no altar da igreja
que com a carapuça da caridade mata quem não a corteja.
cada país tem sua globo
o estado não é bobo
montou um aparato de alienação em massa:
ou você vive e consome
ou sucumbe de fome
e a morte te abraça.