terça-feira, 12 de maio de 2020

Bonjour Mes Blues

tem dia que a tristeza bate e o canto dos pássaros tecendo a alvorada é prenúncio da melancolia. o tempo fica suspenso.
tem dia que a tristeza bate e empurra e entra e domina e expande a casa inteira.
tudo que ressoa, tudo que pinga, tudo que cheira, em tudo que o olho bate há tristeza.
e os objetos todos ficam tristes.
quando a tristeza não escorre, ela não grita, ela não golpeia, quando a tristeza não arde,
ela só se instaura com uma completude estática de contemplação.
adormece mortificado o que antes parecia calor e som.
a lembrança desse alaranjado é quase tão inorgânica quanto um laboratório de fantasias.
fosse 7 pés abaixo de mar ou terra ainda imperaria esse silêncio.
parece que nunca houve nada tão cinzazulado, horizontal e frio. parece que nunca houve nada.
no gênesis, a tristeza. no apocalipse, a tristeza.
meditação solipsista,
meus olhos taciturnos semiabertos, minha respiração serena e ritmada e o resto do mundo todo tá lá fora.
aqui e agora só existe eu.

domingo, 26 de janeiro de 2020

Felicidade - Dia 405

Sinto saudade de você. Todos os dias. Clichê começar qualquer coisa que seja esse escrito assim?
Demais.
Me acostumei ao amor não romântico.
E quem dera eu estivesse falando sobre o modus operandi mantenedor das opressões.
Me acostumei a amar não romanticamente.
Ao toque da pele não dar choque.
Ao olhar só conseguir vaguear pelo outro dormindo durante fortuitos segundos.
E não aquela oração que eu fazia quando você dormia.
Eu orava a todos os deuses e entidades que conhecia em puro nirvana.
Sem palavras eu agradecia, pedia, contemplava, imantava, partilhava, era vida.
Eu me acostumei (e essa parte é de moer) a abraços vazios. Toques sem aquele sentido suprahumano que tinham contigo.
A maior viagem disso tudo, curiosamente, é uma constatação que provavelmente você nunca tenha se sentido assim comigo.
Engraçado.
Romances não ensinam que é possível amar visceralmente
sozinho.
Eu te amei visceralmente. Quantos erros cometi por isso.
Quantas vezes fui odiosa e hostil, manipuladora, infantil e cruel.
Olhando pra trás e para frente penso que seria impossível não só não ter sido como vir a ser algo que não isso.
Sua natureza era muito distinta da minha. E você teve seus odiosos erros também.
Sabia que eu carrego o peso deles até hoje?
A maior coisa que você poderia ter materializado na minha consciência hoje tem o peso de uma montanha.
Certa vez você disse:
“Você não sabe ser feliz”.
E essa sentença foi muito mais do que ortográfica.
Eu convivo com a incapacidade de ser feliz todos os dias.
O que mudou?
Antes eu tinha fé. Hoje nem isso me sobra.
Sabe as músicas, os filmes, os passeios de bici? As séries, os animais e todo esse clichê de comédia romântica?
Parece tão longe...
Tudo parece tão impossível de ter acontecido hoje.
Como calhamos de ficar juntos?
Foi minha obsessão?
Eu fui sempre um ser previsível e patético que podou nosso fruto e por isso você tinha culpa?
Ou isso é só mais uma das minhas muitas paranóias que tanto te adoeceram?
Será que você já me amou um dia?
Como dói pensar nisso...
Minhas mãos de vez em quando ainda pingam sangue da força que fiz para segurar o elo que nos unia.
Eu não queria ter sido uma referência traumática pra você.
Assim como não queria que você tivesse sido pra mim.
Eu lembro de sermos tão potentes e maravilhosos juntos, tão incrivelmente puros com nossas almas dançando vestindo colorido...
E também de tantos demônios.
Eu queria te pedir perdão mas não sei se devo, tudo é um coquetel tão misturado na minha memória que não consigo discernir muita coisa.
Só a saudade.
Amores impossíveis têm motivos menos densos e complexos normalmente.
Não queria que isso virasse um capítulo de “cartas não mandadas”, mas o não dizer dessas palavras direcionadas a você é muito pior do que dor física.
E nem que sejam direcionadas a você,
na verdade sonho que elas pudessem atingir sua alma.
E que nada fosse feito após que não um sentimento interno.
Não desejo alimentar o monstro da esperança dos amores impossíveis, isso pra mim está posto.
Só queria voltar a sentir qualquer coisa que fosse menos mortificante que a morte da alma em si.
Se fomos canais, portais, janelas, ou frestas que seja, que seu sorriso doce esteja agora encantando crianças e que seu abraço mágico esteja sendo abrigo para animais da rua...
Que sua alma leve e flutuante e no entanto pesada e obscura como poucas esteja realizando sonhos condizentes com a complexidade do seu ser.
Que o caminhar possa doer menos.
Que você tenha flertado mais de uma vez com a felicidade que nunca pude te dar.