domingo, 16 de fevereiro de 2025

noctilucente

hoje senti aquele arrepio que vem de dentro da existência, talvez seja algo biologicamente tangível como uma ligação das células-tronco ao sustentáculo de toda vida.

gostaria de escrever sobre os lobos guarás e seus aulidos, sobre a curvatura do voo das aeronaves que ultimamente insistem em chocar, em pairar, em planar uma última vez toda vez, em alar os homens e mulheres ao seu derradeiro encontro. gostaria de escrever sobre a aerodinâmica dos mísseis, sobre a ontologia das ogivas e sobre o silêncio catatonizante que dura cerca de um milênio antes do estalido do espaço de um segundo. e também escreveria sobre as múltiplas deficiências auditivas e os zunidos fundos que existem no espaço onírico antes da vigília, no ouvido. porque o milton sabe, os sonhos não envelhecem.

ainda no sonho existem crianças que viram canídeos e pessoas com cabelos de miosótis e borboletas cujas asas são de arara vermelha. a insegurança do espaço sonho é o catalisador de todas as seguranças possíveis ao acordar. sou porque sonhei. na cidade escreveria sobre as cacofonias e as paisagens sonoras que gentilmente tento mostrar às minhas crianças. elas me falam sobre o barulho do vento e eu me pergunto em qual tenra idade o deixei de escutar. então eu escuto. componho a melodia com o vento, o que não capto, eu invento, e a intenção nem era rimar.

eu contentemente escreveria sobre os generativos artificiais de imagens, sobre as sequências genéticas e sobre o momento catártico em que a vida determina a distinção entre um beija-flor e um curumim. me perguntaria todos os dias: as inteligências artificiais sonham com os xapiris? ou são só as ovelhas elétricas analógicas dos tempos em que o futuro ainda figurava o espaço do sonho? faria um ode ao absurdismo e às deformidades geradas pela interpretação das imagens da humanidade feitas pelos super computadores, que talvez, confusos, ainda não sabem sonhar. diria sobre o fardo que as coisas carregam por serem coisas e sobre a sina de um contorno duro, um quadrilátero gigante ser alimentado por cabos rizomáticos que não transportam líquen nem formam pleuras, mas alimentam eletricamente o cubo estático em salas frias, que nunca dorme mas não pode dançar, e não sabe ser possível parar de pensar.

diria um olá às imagens acústicas da juventude que estão tão precocemente produzindo a sequência de roteiro dos pesadelos dos maquinários inteligentes. os glitches, os bugs, as falhas, e aquele momento suspenso do existir em que aprendemos a transformar formas orgânicas em demônios abissais.

enquanto eu escreveria sobre tudo isso estaria, num fundo ceruleano, emergindo um demônio abissal da mais magnânima doçura. nenhum computador o sonhou. ele veio do vasto do fundo oceano do incosciente, mas não do inconsciente artificial. ele veio e trouxe em sua pequenez o negrume de milênios em que já se sabe que preto é a ausência de cor. mas nada jamais houve tão colorido quanto os raios refratários do lume que o alcançou pela primeira e última vez.

antes de morrer no inconsciente ele carregou consigo a maior poesia contemporânea compartilhada. seu pequeno farol acoplado nos lembra que é possível ser bioluminescente, ou ainda, noctilucente, em toda essa madrugada em que não temos conseguido enxergar, para além de ver. um impulso elétrico me atingiria no que em mim ainda é vida e diria tudo isso a você.

eu escreveria.

terça-feira, 15 de agosto de 2023

Mergulho em cabeça

Eu me ponho dentro da sua cabeça e é tão linda essa beira arenosa de cachoeira com o sol batendo.

Eu entro dentro da sua cabeça e é muito sereno estar num lugar saudável. Eu quero morar aí.


Aí volto pra realidade da minha própria cabeça sequestrada de mim mesma e de como é um trabalho hercúleo e silencioso mentir pra realidade que esse terreno devastado também pode amar.


O direito ao amor é tão meritocrático quanto o enjoo que me dá existir.


sábado, 6 de maio de 2023

zona cinza

tenho toda a estrutura poética para te escrever a grafite os mais métricos versos mas me recuso a organizar meus pensamentos de tal forma que fiquem elaborados e documentados meus sentimentos por você é como torná-los materiais através da palavra e eu não posso e não quero e isso seria um desastre mas concomitante urge o desejo de te escrever e o máximo que eu posso te dar agora é meu fluxo de consciência completamente caótico e brilhante radiante cintilante como se pudesse sentir o clique das sinapses iridescentes que tudo isso me causa e caralho hoje eu chorei por você? não não foi não posso aceitar que tenha sido os últimos dias foram um turbilhão nas minhas costas entre o gélido inox dos laboratórios desviando de vírus de ambos os lados e as cinzas de cigarro deixei a casa como um cenário gris de repouso provisório e de dentro do tambor prata sob o acrílico transparente as roupas lavadas estáticas contemplavam o firmamento ciano sonhando com a brisa que embalava a atmosfera e com o crepitar dos raios de sol atravessando suas tramas e as tirando aquele fardo úmido de existir em entropia por tantos dias sem interseção que não o tempo e tanto quanto pôde o compasso do relógio até que o cheiro sintético de flores campestres vira um odor chumbo esverdeado como um amontoado de bolores e esses dias me ocorreu que mesmo fungos decompositores são vida da mais pulsante e carregam vários segredos da própria vida da cura e da morte e isso diz tanto sobre a nudez que eu me encontrava sem saber o que vestir e o níquel daquela ficha de bilhar perdida no jeans encardido ainda me intoxica com todas aquelas palavras-flecha ditas sob a névoa de uma madrugada de maio com um gosto tão duro e complexo quanto o impasse moral de eu e você

terça-feira, 2 de maio de 2023

ultramarino

noite passada fazia frio de madrugada de cerrado e a mesa azul de boteco parecia tão linda lazuli bem mais profunda que seus olhos caleidoscópicos também tão bonitos mas nunca de fato ali uma pausa uns silêncios e seus olhos sempre sempre sempre me mirando fortuitamente e em quase toda oportunidade e eu fingindo não ver não querer ver não querer interagir com a escolha que fiz de ficar na sua querer saber sobre você e pensar em você pra me salvar de mim e dele e eu não quero falar dele mas não posso deixar de imaginar como se não houvesse ele comigo mas a manhã também veio celeste gelada brilhante cortante como o mirar dele deitado das lembranças dos intercursos com o corpo dele com o jeito forte escarlate dele em oposição simétrica com esse seu azul tão leve de ninar e o toque frustrante sutilíssimo delicado corroborando meus medos e inseguranças de não ser nada do que você queria e sim um acidente que você ebriamente acabou deixando ir longe mas não tão longe para ambos de nós porque faltou algum tempero e o meu maior medo de todos é que o amor adulto seja sempre insosso e o índigo blusão seja o mais próximo de um cheiro de casa que possa existir mas nossa como a sua casa fazia barulho um barulho bem parecido com o da sua cabeça que a sua serenidade não deixa transparecer mas eu vi e eu pensando depois de tantos anos vai ser bom e diferente e até foi mas num sentido completamente oposto ao que eu precisava não sei o que fazer pra ter o que eu preciso e de novo o medo de não existir o que eu preciso e eu ter que lidar comigo no espelho e todas as arestas que deixei mal acabadas e ia dizer apará-las mas talvez eu tenha de dilacerá-las desde a raiz e plantar outra coisa nesse solo que me ensine a viver comigo mesma uma eu que não se apaixona e cujas borboletas do estômago fizeram um processo autóctone de se encasular na clausura de si mesmas abdicando de asas de voos e de paisagens cobalto

segunda-feira, 10 de abril de 2023

eu

ele sai, eu escrevo sobre você
não por necessariamente ser você, porque eu nem sei quem você é direito.
noite passada eram dois, no sonho, e a libido arrepiava meus pelos enquanto eu não queria acordar.

hoje você é doce, sensível, caseiro.
já tem algum tempo que eu olho pra você achando que pode ser você.

há muitos anos eu fico encafifada com o que você sempre significa na minha criação;
freudiana e criativamente;
na forma como consigo isolar os instrumentos mentalmente durante uma música;
no jeito mágico como minha derme absorve um feixe fortuito de luz solar;
no espelho, que de repente se vê tentado a me dar melhores curvas, maiores brilhos;
tudo fica melhor quando você está acontecendo.

esse alimentar-se de paixões platônicas, proibidas e silenciosas, ou de "vocês"
tem sido basicamente a energia que movimenta minha alma em rodopios.

já não acontece mais tanto, nem dura mais tanto, porque a crueza da vida arrebata os dias
mas enquanto você está aqui eu vou me aventurar nesta escrita
mesmo que seja só uma forma de me trazer de novo pra mim enquanto penso em você
e que as notas sobre a contemplação sejam um ensaio.

ensaio feliz quando é com você.

quarta-feira, 22 de junho de 2022

dr. word

how, i wonder how

how should i confess

that i've been hanging in the hours

dreaming about laying on your chest


how, i ask

and why?


and then?

should i talk to my shrink?

or drown

myself

(in cries)

in the dive of my sink


oh yes i've been

nightcrawling alone

on the depts of my awaken eye

staring as i think

to the abyss on my own

if its worth it to live or die


i've been deliberanting my sins

holding accountable for my tries

but you come faded like your jeans

to my delusional mind of lies


as the fog starts to swell

the silhouette of my unthinkable choice

you come like a dream or a spell

or the sound of your impeccable voice


but the ethereal smoke vanishes itself

and the hours won't stop passing by

you'd be a good memento to be held

if i had any choice but being rotten alive