Estava só no quarto.
Mas a observava chorar. Trazia nas omoplatas a curva beatitude dos velhos sábios. A escorriam pelas têmporas fios finos de cabelo, negros como noite sem luar. As mãos eram perfeitas. Algo como o fluido retilíneo do leite que banha os deuses no orvalho.
Mas tinha, principalmente no ventre, uma marca peculiar. Trazia no ventre recoberto o desespero de flor-de-liz, o rebento do que finda o feminino.
Os pés flutuavam, as curvas marcavam a tentação derradeira da carne.
Não achava ser assim. Dentro de seus olhos impetuosos e taciturnos era só o que podia ver. Via por dentro de si mesma. Abrira uma brecha na alma e procurava incessantemente um sentido para estar ali.
Via-se em uma vida de busca pelo credor, que, não ao acaso, era também o causador da tristeza que carregava desde antes de nascer.
Nada mais a importava. Perdera sua vida em uma certa ruela, na primavera, quando, no início da mocidade, conhecera o amor.
Via-se tristeza, mas esperança. E é exatamente isso que potencializa as dores e as torna cruéis. E mais que isso, nada.
Não pede-se sua crença, mas esse momento que é aqui descrito aconteceu em menos de um minuto. Era latente da carne o penoso peso da alma.
Apenas pude ter uma certeza: Era mais bonita do lado de dentro do espelho.
20/08/10
Nossa! Adorei essa postagem Marina!
ResponderExcluirMuito rica e tocante..