quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Dia 317

É ironicamente o dia 317 desse futuro insólito.
As mechas dos seus cabelos ainda se apresentam vívidas em minha imaginação.
Não houve se quer um dia em que fui dormir sem imaginar que você ainda estava ao meu lado.
Perdi o talento para amar e perdi o talento para a poesia.
Sua imagem acústica em minha memória é um constante atracar de ondas ígneas num porto frágil.
O futuro, de um púrpura neon, encontra-se irremediavelmente adormecido ou magicamente morto.
Eu estou no futuro.
Estou no futuro.
Sem o imantar da sua pele castanha encostada na minha.
Sem nossos tons se misturarem numa nuance intima.

Quando fui embora, sabia que estava atropelando o tempo.
E que o preço do contrato era o nunca.
O nunca mais convive nas roupas que não mais me servem, nas rugas adquiridas, no silêncio conquistado.
O nunca mais convive no pulsar acelerado das minhas veias saltadas.
Na solidão noturna (mesmo acompanhada).
Nas vagarosas horas de trabalho.
Do nunca mais eu já sabia. Só não poderia ter premeditado o peso do silêncio.
E como não ouvir a sua voz de repente se tornou um pesadelo anunciado.

Eu lembro dos dias de sol na grama com os cães em festa
E parece que sonhei.
Será que eu sonhei?
Por que agora, passado quase um ciclo inteiro, me vêm as memórias doces?
É a primeira vez que te escrevo desde então.

Eras minha maior e mais profunda certeza.

É duro caminhar por esse mundo sem certezas.
Tu tiveste o último resquício da minha meninice.
Acredito que tenhas visto o último lampejo de brilho nos meus olhos.
E aquela última possibilidade de errar.
Acredito que tenha te proferido meu último sorriso apaixonado.
Minhas últimas horas em contemplação grata por ter-lhe ao meu lado.
Meus últimos sonhos.

Eras minha maior e mais profunda tristeza.
A maior e mais profunda verdade.

Hoje vivo fisicamente no futuro.
E o pensamento ainda te jura amor eterno com as mãos sujas de amora.
Tua memória aproxima os monstros e demônios da morte.
Tua memória recorda às minhas células que já fui vida.

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