e quanto mais grandiosas palavras você falava
menos eu via sua alma
te sentia vazio, em branco
e o gole do álcool empurrava
meu silêncio garganta seca abaixo
sede de quem
está diante do luto
e quanto mais grandiosas tentativas
de me convencer, de te provar pra mim
uma moralidade aguda e esquizoide
mais saudade eu sentia de ser menina
deitar a cabeça no seu colo e rirmos
- de nenhum motivo aparente -
quando tínhamos alma - eu e você
por onde te há enveredado que te roubaram
o brilho dos olhos?
e te transformaram num sacerdote
de uma verdade manipulada
te imagino hoje vestido de branco
num tom asséptico
e que medo me assola ao pensar
que te se cobrissem o arco-íris
continuarias assim...
nessa placidez altiva desse algo que te roubou
meu doce amigo
meu doce amante da meninice
que saudade me fazem teus olhos de girassol
teu sermão afiado
tua beleza canônica mas não fabricada
como te eras santo em suas vestes
escolares sujas de vinho e fumo barato
eram sagradas tuas palavras de zombaria
e tua liturgia derramada de tua boca de moleque
a unção comungada no líquido
dentre tanta madrugada de vigília
santas eram nossas mentiras e desvarios
e a egrégora pulsante de tua música
não havia cântico que mais te aproximasse de deus
do que a tua voz
aquilo era milagre...
hoje me pergunto se tu voltas dessa viagem
se há ressurreição para o teu caminho.
no templo sacroprofano das ruas, dos vícios e virtudes
estou te aguardando com a paz do fato humano:
doce, amargo, vil, sublime, atroz, estridente
inteiro e fragmentado e errante,
errante
cambaleante
vivo
pois mesmo de alma ausente
me despertaste novamente
para a poesia
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