quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Talho na pele, retalhos de alma

 Eu odeio tudo ao meu redor.
Odeio o peso e o cheiro das coisas.
Eu odeio a textura das pessoas.

Me enfurece tudo que existe humano
Positivo ou negativo

Eu odeio acordar com o sol na cara
E odeio o luar que tanto já me acalantou

Eu odeio minha imagem no espelho
E a narrativa da minha história

Odeio minha dependência emocional
E confusão sobre o que fazer da minha existência

Odeio a força com que nasci, ou fui amaldiçoada
Odeio cada pingo de esperança que faz eu arrastar
Meu ser moribundo vida a fora

Eu odeio estar viva e odeio a ideia de morrer
Porque não sei se do outro lado faz silêncio
Não sei se algum átomo do meu corpo
Depois de morto,
Vai perpetuar o trauma da morte.
Não quero envenenar a terra com meu corpo e mente
Mas penso que talvez meu corpo em decomposição
Faça mais por essa terra do que eu jamais fiz

Transito pelo mundo como quem teve todos os ossos arrebentados
E aguardo do existir um mínimo consolo que nunca chega

Nunca serão os braços certos, as palavras certas, a segurança certa
Porque minha ferida é do passado
Eu estou ferida a pelo menos duas décadas atrás

Quem pode fazer um remendo que dobre o tempo?
E diga àquela criança o que ela tinha que ouvir. 
Dizem (as autoajudas alheias) que eu sou capaz de fazer isso.

Mas eu pergunto
Como me curar se estou constantemente exposta à pura morte?
Se um mero dia na minha vida
Seria o pior pesadelo das pessoas que conheço

Um pedaço de mim morre todo dia
E antes fosse apenas uma morte
Esse pedaço morto rasteja eterno
E de retalhos de morte eu me componho
Se já morri tantas vezes e ainda estou viva
Quem pode me garantir que a morte seja alguma salvação?

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