terça-feira, 15 de agosto de 2023

Mergulho em cabeça

Eu me ponho dentro da sua cabeça e é tão linda essa beira arenosa de cachoeira com o sol batendo.

Eu entro dentro da sua cabeça e é muito sereno estar num lugar saudável. Eu quero morar aí.


Aí volto pra realidade da minha própria cabeça sequestrada de mim mesma e de como é um trabalho hercúleo e silencioso mentir pra realidade que esse terreno devastado também pode amar.


O direito ao amor é tão meritocrático quanto o enjoo que me dá existir.


sábado, 6 de maio de 2023

zona cinza

tenho toda a estrutura poética para te escrever a grafite os mais métricos versos mas me recuso a organizar meus pensamentos de tal forma que fiquem elaborados e documentados meus sentimentos por você é como torná-los materiais através da palavra e eu não posso e não quero e isso seria um desastre mas concomitante urge o desejo de te escrever e o máximo que eu posso te dar agora é meu fluxo de consciência completamente caótico e brilhante radiante cintilante como se pudesse sentir o clique das sinapses iridescentes que tudo isso me causa e caralho hoje eu chorei por você? não não foi não posso aceitar que tenha sido os últimos dias foram um turbilhão nas minhas costas entre o gélido inox dos laboratórios desviando de vírus de ambos os lados e as cinzas de cigarro deixei a casa como um cenário gris de repouso provisório e de dentro do tambor prata sob o acrílico transparente as roupas lavadas estáticas contemplavam o firmamento ciano sonhando com a brisa que embalava a atmosfera e com o crepitar dos raios de sol atravessando suas tramas e as tirando aquele fardo úmido de existir em entropia por tantos dias sem interseção que não o tempo e tanto quanto pôde o compasso do relógio até que o cheiro sintético de flores campestres vira um odor chumbo esverdeado como um amontoado de bolores e esses dias me ocorreu que mesmo fungos decompositores são vida da mais pulsante e carregam vários segredos da própria vida da cura e da morte e isso diz tanto sobre a nudez que eu me encontrava sem saber o que vestir e o níquel daquela ficha de bilhar perdida no jeans encardido ainda me intoxica com todas aquelas palavras-flecha ditas sob a névoa de uma madrugada de maio com um gosto tão duro e complexo quanto o impasse moral de eu e você

terça-feira, 2 de maio de 2023

ultramarino

noite passada fazia frio de madrugada de cerrado e a mesa azul de boteco parecia tão linda lazuli bem mais profunda que seus olhos caleidoscópicos também tão bonitos mas nunca de fato ali uma pausa uns silêncios e seus olhos sempre sempre sempre me mirando fortuitamente e em quase toda oportunidade e eu fingindo não ver não querer ver não querer interagir com a escolha que fiz de ficar na sua querer saber sobre você e pensar em você pra me salvar de mim e dele e eu não quero falar dele mas não posso deixar de imaginar como se não houvesse ele comigo mas a manhã também veio celeste gelada brilhante cortante como o mirar dele deitado das lembranças dos intercursos com o corpo dele com o jeito forte escarlate dele em oposição simétrica com esse seu azul tão leve de ninar e o toque frustrante sutilíssimo delicado corroborando meus medos e inseguranças de não ser nada do que você queria e sim um acidente que você ebriamente acabou deixando ir longe mas não tão longe para ambos de nós porque faltou algum tempero e o meu maior medo de todos é que o amor adulto seja sempre insosso e o índigo blusão seja o mais próximo de um cheiro de casa que possa existir mas nossa como a sua casa fazia barulho um barulho bem parecido com o da sua cabeça que a sua serenidade não deixa transparecer mas eu vi e eu pensando depois de tantos anos vai ser bom e diferente e até foi mas num sentido completamente oposto ao que eu precisava não sei o que fazer pra ter o que eu preciso e de novo o medo de não existir o que eu preciso e eu ter que lidar comigo no espelho e todas as arestas que deixei mal acabadas e ia dizer apará-las mas talvez eu tenha de dilacerá-las desde a raiz e plantar outra coisa nesse solo que me ensine a viver comigo mesma uma eu que não se apaixona e cujas borboletas do estômago fizeram um processo autóctone de se encasular na clausura de si mesmas abdicando de asas de voos e de paisagens cobalto

segunda-feira, 10 de abril de 2023

eu

ele sai, eu escrevo sobre você
não por necessariamente ser você, porque eu nem sei quem você é direito.
noite passada eram dois, no sonho, e a libido arrepiava meus pelos enquanto eu não queria acordar.

hoje você é doce, sensível, caseiro.
já tem algum tempo que eu olho pra você achando que pode ser você.

há muitos anos eu fico encafifada com o que você sempre significa na minha criação;
freudiana e criativamente;
na forma como consigo isolar os instrumentos mentalmente durante uma música;
no jeito mágico como minha derme absorve um feixe fortuito de luz solar;
no espelho, que de repente se vê tentado a me dar melhores curvas, maiores brilhos;
tudo fica melhor quando você está acontecendo.

esse alimentar-se de paixões platônicas, proibidas e silenciosas, ou de "vocês"
tem sido basicamente a energia que movimenta minha alma em rodopios.

já não acontece mais tanto, nem dura mais tanto, porque a crueza da vida arrebata os dias
mas enquanto você está aqui eu vou me aventurar nesta escrita
mesmo que seja só uma forma de me trazer de novo pra mim enquanto penso em você
e que as notas sobre a contemplação sejam um ensaio.

ensaio feliz quando é com você.