segunda-feira, 14 de novembro de 2016

antídoto

como é injusto viver num mundo apático
em que o saudosismo romântico-traumático
sequestra o coração das pessoas e as cega para o presente...

de ciclos nostálgicos parece ser feita a vida: quando tem, ignora;
quando não tem, se arrepende.

emular sentimentos ruins é fruto da vaidade
tem coragem aquele que da de cara com a verdade
que não submete a convivência a jogos de ego
que entende que a vida é o presente do tempo
e que em seu cotidiano, tenta ser real
...rimar amor com dor é tão banal...

mais me encanta o que surpreende
que na cura de cada toque planta sua semente:

- empoderamento, quando cego, é veneno
o endeusamento é fruto direto do condicionamento -

generoso, o amor te deixa ser sereno.
revolucionário mesmo é o afeto!
dizem que a gente gosta quando dói
eu gosto quando é pleno!

terça-feira, 27 de setembro de 2016

grito

lembrar de esquecer é sempre lembrar
não importa quão grande seja o esforço

as primeiras chuvas primaveris me aprazem a tez
já fazem dez dias desde que a calmaria começou

os sonhos não deixam de existir e em dor
o vazio parece cada vez mais oco, escuro e fundo

quem sou eu, este ser que anda pelo mundo?
meus passos parecem mecanicamente organizados
as decisões, as escolhas, dessas eu nem me iludo mais

nada foi tomado por mim

a refeição que eu como é a dor que engulo e entala na garganta
o espelho que eu olho me da nojo medo e náusea
as mirabolações da insegurança na cabeça não me deixam existir
em paz


o que será esse sentimento obscuro e tenro
que consome sentimentos eternos
de sobrevivência, auto cuidado e bem estar?

não sei da onde veio, mas sei que estou no meio
de um furacão, um tsunami, um vulcão de lava pulsante
a consciência itinerante tenta me prender em algum significado
mas as auroras e as despedidas são todas filhas
de um mesmo ciclo eterno de dias que nunca acabaram

viver é um fardo


"o mundo não acaba quando você fecha os olhos".

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

apoético

eu nunca tive vocação pra nada
choro em qualquer lugar o tempo todo
não tenho nenhuma habilidade incrível
e as coisas que parecem normais para as outras pessoas
para mim são desafios imensos

coisas que todo mundo fez quando criança eu não fiz
não tenho inteligência corporal alguma
me boicoto em tudo que quero aprender
não tenho grandes amigos nos ambientes burocráticos
perco prazos, acordo tarde, sou desastrada
minto para as pessoas por não conseguir ser o que elas esperam
mas eu preciso ser o que elas esperam
digo que vou, que vou fazer, que dou conta
mas na hora atraso o despertador por mais 3 horas...

só dormir parece me alienar da minha realidade
não sou mais criança ingênua para culpar ninguém
a dor é minha, só minha, eu me tornei minha pior inimiga
não anseio mais colo algum, sei que não há mais consolo algum

me agarro à paixão como o maior paliativo do sofrimento:
largo tudo mais ainda para estar com quem me entrego
é um vício não saudável que me faz tropeçar nas obrigações
que me faz desviar quaisquer assuntos para este assunto
que me faz querer não sair da presença do ser
tenho medo de que cada encontro seja o último
tenho medo de que encurtar as horas signifique
não aproveitar o máximo de tempo de felicidade e afeto possível
minha carência atingiu níveis inimagináveis...

até para mim que nunca fui a mais calorosa
me faltam abraços aos montes e palavras eternas
ao mesmo tempo que parece que nada mais faz sentido algum
(sinceramente
eu nem sei por que escrevi esses versos em poesia)

os dias são todos ritualisticamente iguais
tenho ainda algumas vontades, mas nenhuma motivação
me vejo cada vez mais feia e incapaz no espelho
a auto estima inexistente me faz odiar tudo em mim
acabo me comparando aos outros
e a luta é desleal, eu sempre perco

não queria sentir nada disso
estar esvaziada de cor e vida
mas aconteceu de tudo convergir para esse lugar
lutei por muitos anos, fiz muitos planos
mas seria lindo poder reconhecer a hora de parar
se ao menos me sobrasse coragem
gostaria que as pessoas que eu amo entendessem
caso eu não aguentasse mais ficar.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

um rasgo

passo o dia inteiro com a pele arrepiando
me assusto com o barulho do vento
minhas ancas e seios cresceram
fazem tão poucos dias...

meu ventre se remexe em dor profunda
meus olhos estão por transbordar a qualquer momento
eu passo as noites acordada olhando pra tv
(eu queria estar dormindo contigo)

minhas mãos e olhos trêmulos atentos ao celular
esperando a mensagem que não chega
fico pensando se você está pensando em mim
se sabe que eu tô sentindo tudo isso

será que você realmente não se importa?

sinto choques elétricos pelo meu corpo
- ontem eu fiquei cara a cara com ela -
não consigo me concentrar em quase nada
meu estômago contém uma bigorna

quando consigo dormir um pouquinho
sonho com você todas as noites
minha imunidade está enfraquecida
meu corpo está se auto consumindo

não quisemos a consequência-semente do nosso ato
e é meu corpo que carrega esse fardo
meus hormônios descompensados
a boca amarga, a garganta árida em nó

respiro arfando constantemente
meu peito parece dolorosamente oco
tive febre, mas mesmo sem, tudo arde
as ausências, os vazios e os excessos

fico mirabolando uma realidade diferente
mas tá difícil acreditar em qualquer coisa
queimar a pólvora de vários cigarros
é como tentar matar minha própria existência

- eu inventei uma canção pra você dormir.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Éter

Amor criador de distopias
Não importa quantos dias
Passei tentando matar
O ego romântico
Cristão elitista monogâmico
Branco cis heterossexual
Do capitalismo patriarcal.

Através da comunicação não-violenta
Você me trouxe a crença
De que ser coerente é ser revolucionário;
Num contexto arbitrário
A coerência difere da tua marca roxa
Na minha crösta
E a ausência de dias...
E se equilibrar frequência e responsabilidade afetiva
Não sobra nada de empatia
Arde a falta da escuta profunda
Minhas mãos imundas de tinta
E a parede sustentando um incompleto estandarte da agonia...

A cultura coletiva da tribo urbana
Floresce para a sedutora desconstrução;
Enquanto que ao me relacionar contigo
Aprendi muito mais sobre autodidatismo
Do que da liberdade individual humana.

Sustentei de forma experimental
A solidão do submundo existencial
Porque sou loba que uiva pra lua;
Transito plena entre as feras
Mas volto com o rabo entre as pernas
Quando você me aciona.

No abismo dessa alquimia
Tu crês que basta a costura
Feita consentida com linha escura
Sobre a bagagem da minha pele de bruxa.

Sou intensa e livre porque sinto e me permito;
Mas no limbo da libido
Toda noite fortes doses de veneno
Minha auto defesa em desespero insurrecto
Para engolir, digerir e vomitar
O amor escravo do ego.

Em que difere o libertário machista
Da lógica fascista por ti tão combatida?
A violência sistêmica
Me aponta como histérica
Enquanto você exerce sua "conduta não-coercitiva"

Apesar de abraçar a sua dor com ânsia
Apesar de estarmos a janelas de distância
O seu estar instável e apático
Indiferença, falta de cuidado
Seu amor "autogestionado"
Sangram meu peito em anomia

Mas ninguém nessa cidade (será?)
Ouviu tuas frases
Que da morte traziam vida,
Que da noite teciam o dia...

Quando a força é ser vulnerável
Onde anda aquela sintonia
Que nos uniu no gênesis da supernova?

O universo que orbitamos em um verso
Somos o void ecoante reverso
Dois pontos auto-atraentes
Resistindo às cicatrizes aparentes
Em algum lugar do cosmos
Entre o nadir e o zênite.

terça-feira, 3 de maio de 2016

vestido

parece que é clichê sofrer às terças-feiras
parece que é demodé sofrer por amor aos vinte e dois anos
tomar café e fumar um cigarro já não é tão adequado
tampouco largar um dia de compromissos e ir para o bar

parece que tenho nuvem sob os meus pés
que me fazem flutuar sem ânimus pelos caminhos da rotina
minhas mãos têm linhas... minhas mãos seguram roupas e as trocam trezentas vezes
eu quero que você pense que eu sou bonita.

é tudo tão estranho quando por dentro eu sou apenas uma criança
que não entende nada de amar como mandam os praxes
uma criança que queria estar balançando na rede até dormir...
até sentir a essência humana dissolver em meio às plantas que caem lá fora

tenho uns quinze sapatos
vinte e tantas blusas ou mais
e só precisava que aquele vestido guardasse o seu cheiro para sempre...

sexta-feira, 15 de abril de 2016

ácido-cítrica

a viscosidade da minha seiva descendo pela sua raiz:
garganta molhada e cheiro de terra.
o sal da língua como flecha e o lábio que é arqueiro.

passaram-se prédios e prédios desde a última vez que nos amamos.
o espaço se transforma em inorgânica mutabilidade estéril

porque viver sem o peso da sua mão entre as minhas pernas
é contar andanças de ponteiro e grãos de areia que caem.

tenho urgência do laranja daquele gosto.

você não me habita mais

o que de dentro de mim palpita
do fundo do olho onde o escuro urge
uma tilintando à luz do sol nascente
carrego
um amuleto pra manter corpo fechado

ando sinuosamente por calçadas de um cinza reto
de verticais e horizontais assepsias
combino o arranha-céu com um batom vermelho
que hoje, me olhando no espelho, eu passei só pra mim

pela primeira vez fiz uma declaração de amor
à minha companheira:
toquei-lhe as mãos e disse que ela era linda
por dentro e por fora do espelho

contei estrelinhas numa noite esverdeada
enquanto os animais vinham dançar
- tudo é território de sonho -
o que se come, o que se deita, com quem se é
se se é, como ser, se deve ir

vou porque indo estou sempre comigo
viajo porque preciso aprender a conviver comigo
deve haver algum deus que dentro disso tudo anuncia:

- hoje é dia, mas vem chuva misturada com sol
e carcarás carregando galhos no seu voo pleno -
a mística da rotação ninguém explica
e tudo permanece girando
conquanto seja vida.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Oxytocin

A tua presença
tem ares de inverno
cheiro de chuva
gosto de fumaça
nuances de ouro
vapor etílico
A tua presença

tem traços de dor
tem vida e tem morte
A tua presença

me desprevine, 
me norteia, me acalma
balança a rede

Talvez a tua presença
não se imponha 
e por pedir licença
se faça plena

A língua gosta da tua presença. 
O coração não entende nada.