terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Apego

Falo de algo que flui,
Se desata, se deixa ir
São filosofias jogadas ao léu
Algo como observar o Relógio da Central
Marcando oito da noite
Seria um simples prédio
Se não fosse pai
Pai de quem vive dessa cidade
Seria apenas uma estrutura de concreto
Se não impusesse respeito.
Mais que o Cristo (que me perdoe)
Só quem passa por ali entende.
Ele é a vida no que há de morte
E de manhã é a morte
Por toda a vida.


meados de 2008.
Acordei, estava uma chuva cálida
Não havia frio, nem calor
Parece que esse tempo aflora o poeta
Como se o sol, pétala por pétala
O crucificasse e desfizesse flor

Procurei pela cama um lençol
De proteção
Lençol esse que me destrairia
Na manhã quente, na noite fria
Da minha imensa solidão.

Então me sentei, olhei ao redor
Da janela vi as árvores molhadas
Que me traziam estranha lembrança:
Eu era donzela, e sorria imaculada
Em meio a toda aquela dança.


final de 2008.

sábado, 6 de novembro de 2010

A Grande Janela

Estava só no quarto.
Mas a observava chorar. Trazia nas omoplatas a curva beatitude dos velhos sábios. A escorriam pelas têmporas fios finos de cabelo, negros como noite sem luar. As mãos eram perfeitas. Algo como o fluido retilíneo do leite que banha os deuses no orvalho.
Mas tinha, principalmente no ventre, uma marca peculiar. Trazia no ventre recoberto o desespero de flor-de-liz, o rebento do que finda o feminino.
Os pés flutuavam, as curvas marcavam a tentação derradeira da carne.
Não achava ser assim. Dentro de seus olhos impetuosos e taciturnos era só o que podia ver. Via por dentro de si mesma. Abrira uma brecha na alma e procurava incessantemente um sentido para estar ali.
Via-se em uma vida de busca pelo credor, que, não ao acaso, era também o causador da tristeza que carregava desde antes de nascer.
Nada mais a importava. Perdera sua vida em uma certa ruela, na primavera, quando, no início da mocidade, conhecera o amor.
Via-se tristeza, mas esperança. E é exatamente isso que potencializa as dores e as torna cruéis. E mais que isso, nada.
Não pede-se sua crença, mas esse momento que é aqui descrito aconteceu em menos de um minuto. Era latente da carne o penoso peso da alma.
Apenas pude ter uma certeza: Era mais bonita do lado de dentro do espelho.


20/08/10

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Lá em casa eu sou rainha
E cuido da vida só minha
Pra não ter de me lembrar
Que além de mim, há o outro
Que não me deixa nem um pouco
Sair pra vadiar

Ah, quem me dera liberdade
Mas aqui nessa cidade,
Estado, país, continente
Não há um que seja livre
Um que seja diferente

Quero andar pelado
Correr de lado
No meio da Estação Central
Quero vinho e poesia
Me embebedar de melancolia
Em pleno Carnaval

E no natal,
Hei de comemorar Vinícius
E esquecer os personagens fictícios
Não há virtudes e nem vícios
Na minha vida real.


14/06/10

O Poeta Diante do Efêmero

O poeta está triste, triste
Perdeu a musa, sua amada
E pensando n'outra que o conquiste
Foi buscar outra namorada

Foi num show, nada achou
No teatro, só boato
No ballet, quanta mulher!

E parado no banco da praça
Mirou o chão desolado
De tão sem graça
Nem olhou do seu lado

Ao contrário, ouviu o chamado!
A cigarra cantava suas dores de amor
Mas que favor!

Ver-se-há a paixão dela pela formiga
E vejam só como é a vida
Ela entendeu que a musa partiu
E num gesto tão gentil
Fez canção pra todo o povo

Fez o poeta: pegou o violão
E saiu por aí vociferando paixão.
(Mas cuidado poeta!
Pois a mesma cigarra não canta de novo).


15/05/10

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Eterno e Embriagado

Hoje o dia amanheceu lindo
Vi seu rosto na janela
Ou meu rosto no espelho

Quisera eu ter a força necessária
Para superar a sua imagem
Que é tão intimamente minha...

Quisera eu acordar em dias assim
E ter-me em minha própria palma:
Sair sem te levar na alma.

A prisão de incapacidade
Diante do mundo que carrego
Reflete em mim o seu estrago

Não sou mais nada.
Morri, por dentre algum samba
Que você não estava.


18/10/10

Expansão

Dentre as gotas de chuva
Que se misturam
Com as gotas de vinho,
As gotas de sangue
E as gotas de fluido
Na vermelhidão liquefeita
Remanesceu a menor das gotículas

E dizem que em tardes chuvosas
Ela invade com seu oceano de amor...

2000 Anos de Regresso

É isso o que me finda.
Ainda que sepultado em mortalha sagrada
Corrói meus nervos lentamente.

Judas!  É a palavra dele que lhe devolvo
Me exaspera o fel que convivo
Me exasperam os crimes que Ele cometeu por tuas mãos.

Geração pútrida!
Acorda desta infinitude corrompida!
Geração asquerosa!
Levanta e dá com tua face no rebento da verdade.

Enfrenta-me, meu irmão
Eu não morro por Ele, morro por ti
E tu excomungas-me considerando meus pecados.

Pecador és tu!
Que quebras os lares onde Ele não reina
Mas reina a minha paz.

Que por mais que tente compartilhar
Tu nunca, nunca poderás adentrar.

domingo, 24 de outubro de 2010

Do Ser e Seu Eu

A vida é ensaiada de novo. A vida é um sopro divino no tempo.
Ah, criação esquisita essa, que se foca como o grande mártir e se esquiva do mundo caindo ao seu redor...
Seria esse um erro dos deuses? Dar vida a quem já nasce com o corpo vivo e a alma morta? Em dor e em medo somos todos doutores.
Que intensidade de penúria é a referência humana? Será a dor física, ou ainda, a emocional?
Disso não posso dizer. Apenas sei que carrego em meus ombros o peso do mundo. Levo a desgraça humana sintetizada no meu "eu".
Há quem me chame egoísta ou não entenda o motivo de tanta tristeza. E a eles eu posso dizer: Quem, nessa vida, sentiu a tristeza verdadeira reconhece a sua beleza. E quem, nessa vida, chorou, sabe o valor de um sorriso.

...Mas ainda assim caem as lágrimas como singelos cristais.


20/09/10